O casamento
foi em Alvo Campo, pouco tempo depois do funeral do Rei Leon, que morreu
enquanto Alejandro estava em Brumário. A Catedral de Santa Maria de Perva
estava completamente cheia, e uma incessante tempestade de neve caia do lado de
fora, dando um ar cinza e gélido a tudo. O rei, pai de Liz, não pôde ir ao
casamento, pois não estava se sentindo muito bem e uma viagem naquela
temperatura poderia ser fatal. A princesa estava totalmente desconsolada e nem
se dava ao trabalho de esconder as lágrimas que vinham aos borbotões. E todos
na catedral pareciam compartilhar da tristeza de Liz, pois não havia riso,
gargalhada ou alegria em lugar algum. Todos pareciam padecer junto à princesa. “Era para José estar aqui, no seu lugar” Pensou
a princesa olhando para Alejandro. A coroação foi logo após o matrimônio, dando
a impressão à Liz de que aquele dia nunca acabaria. Ela queria voltar para
casa, reencontrar José e nunca mais se afastar dele. Esses pensamentos a
fizeram chorar ainda mais, chamando a atenção de todos os presentes na
cerimônia. Alejandro, longe da vista de todos, apertou o braço dela com força e
sussurrou no seu ouvido com uma voz tão doce quanto venenosa:
— Pare de
chorar agora.
— Você está
me machucando.
— Agora — disse ele, apertando ainda mais
forte.
Liz engoliu
as lágrimas e permaneceu calada até o fim da cerimônia, quando o arcebispo
colocou uma coroa de brilhantes em sua cabeça, que parecia pesar tanto quanto
uma montanha. “Eu nunca pedi esta merda,
por que tenho que usa-la?” Era o que uma Liz furiosa pensava enquanto eram
proferidas as últimas palavras da coroação. Ela e Alejandro saíram da catedral
de braços dados, sendo ovacionados pelos presentes, enquanto do lado de fora
uma suntuosa carruagem os aguardava em meio à tempestade de neve. Ela entrou
rapidamente para proteger-se do vento, enquanto o príncipe — agora rei — veio
logo atrás. Mal se fechou a porta, ele começou a falar:
— Não gostei
nem um pouco do seu comportamento na cerimônia.
— Que
comportamento, meu senhor?
— O seu choro!
Você não parou um segundo; parecia que não queria estar lá.
“E não queria mesmo”.
— Não foi
nada disso meu senhor. É que eu estava pensando no meu pai, eu gostaria muito
que ele...
— Você é
minha esposa agora, não há porque ficar chorando o tempo todo. O que os outros
vão pensar? Que você é infeliz, que eu lhe trato mal. Não quero que esse
comportamento se repita, está entendido?
— Sim senhor.
— Vamos,
sorria! Por que você nunca sorri? Você é uma rainha agora, deveria estar feliz
com isso. Em breve a coroa de Brumário também será nossa. Mostre-se agradecida
pelo menos.
“Sabe onde é que você enfia a sua maldita
coroa?”
— Não é nada
meu senhor, é que eu não consigo tirar meu pai da cabeça.
— Trate de
tirar logo. Já estamos chegando ao castelo e daqui a pouco começará o baile.
Não quero ver você chorando.
— Claro
senhor.
E assim
continuou a viagem até o castelo, onde o baile transcorreu sem maiores
incidentes. Liz se esforçou ao máximo para parecer estar feliz, mas, mesmo
assim, Alejandro ainda lançava alguns olhares ameaçadores para ela. Terminada a
festa, os dois subiram para os aposentos reais, onde, só quando viu a cama, Liz
entendeu que a noite ainda não havia terminado. O terror tomou conta dela, e
ela empacou no meio do quarto. Alejandro, percebendo, falou:
— Não fique
com medo, não vou lhe machucar. Agora tire a roupa.
Liz
permaneceu paralisada, olhando para a cama com uma palidez crescente, parecendo
não ouvir o que ele falava.
—
Tire-a-roupa.
Ela continuou
parada.
— Eu mandei
tirar a roupa! — gritou ele, perdendo a paciência e jogando-a na cama.
Quando ela acordou
de seu transe e percebeu aqueles dois obscuros olhos fitando-a com fome e
ferocidade, entrou em pânico e começou a gritar.
— Me larga!
ME LARGA!
Era inútil.
Alejandro já a dominava e rasgava seu vestido bordado de pedrarias. Ela
continuava resistindo, mas o rei estava fora de si, e segurava-a com cada vez
mais força.
— CALA A
BOCA! — gritou ele, dando um bofetão no rosto de Liz.
Ela diminuiu
a resistência, embora ainda lutasse com o homem que estava sobre seu corpo.
Alejandro tirou a túnica e penetrou-a com força. Ela estava cada vez mais
enojada enquanto ele aumentava a velocidade e força das estocadas. Pensava em
José, nas noites que havia passado ao seu lado, e amaldiçoava aquele demônio
que a havia seduzido com palavras doces. Lágrimas desciam de seus olhos
enquanto ele urrava sobre ela, até que ela sentiu o corpo de Alejandro relaxar.
“Graças a Deus”, ela pensou quando o rei
largou-a. Alejandro fitou seu rosto pálido, e desceu os olhos por seu corpo
suado e quente, até chegar ao seu ventre. Ele passou a mão entre suas pernas, e
olhou para ela. Não achou o que queria. Passou novamente, dessa vez mais fundo
e com mais força, e mais uma vez ficou decepcionado. Ele olhou fundo nos olhos
de Liz, e com uma frieza calculada perguntou:
— Onde está o
sangue?
Sangue? Que san... MERDA!
— Minha ama
disse que algumas moças não sangram na sua primeira vez — respondeu Liz,
tentando esquivar-se da pergunta.
— MENTIRA! —
trovejou ele, dando uma tapa em seu rosto.
— Não estou
mentindo meu senhor. Minha ama...
— Você não é
mais virgem! — e deu mais uma tapa, com mais força que a anterior. — Eu queria
uma noiva casta, e seu pai me entrega você:
uma puta! — então ele agarrou seus cabelos e jogou-a ao chão. Liz chorava e
gritava por socorro sem parar, com medo do que Alejandro poderia fazer com ela.
— Com quantos
homens você já transou? — perguntou ele, ajoelhando-se ao seu lado e apertando
seu pescoço — Dois? Três? O castelo inteiro? Aposto que você deu até para os
cavalos.
— Eu não fiz
isso... — respondeu ela, lutando para respirar.
—
Não-minta-para-mim! — disse Alejandro, apertando ainda mais forte. — Eu sabia
que você estava escondendo alguma coisa desde o momento em que lhe vi pela
primeira vez. Mas você se achava muita esperta com seu pai do lado para
protegê-la, não é? Não temia que eu descobrisse, mas quem vai lhe proteger
agora?
Liz sentia
sua alma sendo devorada por aqueles olhos demoníacos. Seu corpo estava
começando a perder as forças, e tudo o que ela pensava era no sorriso de José. Seu sol. Ela parou de lutar,
entregou-se.
— Eu deveria
lhe matar, mas não ficaria bem para um rei matar sua esposa na noite de núpcias
— disse ele por fim, soltando seu pescoço. — Você vai dormir aí, no chão, com
uma cadela, que é o que você é, e amanhã decido o que vou fazer — ele agarrou a
cabeça dela e puxou-a para si, dando-lhe um beijo feroz. — Boa noite, vadia.
Mas Liz não
dormiu aquela noite. Ela permaneceu encolhida no chão em estado de choque;
tremendo, chorando e com os olhos vidrados. Tudo o que ela enxergava era o
rosto de José sorrindo para ela. Quando ela despertou de seu devaneio, a única
coisa que se ouvia no castelo era o som do vento gelado do lado de fora. Ela ergueu-se
lentamente por causa das dores que sentia no corpo, e caminhou pelo quarto, sem
saber o que fazer. Andou até a cama e ficou olhando Alejandro dormir por um
longo tempo. Ele dormia o sono dos justos, como o mais divino dos santos.
Quando estava de olhos fechados era a encarnação da beleza, mas quando abria os
olhos, aqueles olhos de demônio, era
a maldade e perdição em pessoa. Liz caminhou até o baú onde estavam suas
coisas, na esperança de encontrar uma saída para a desgraça que com certeza
viria. Encontrou apenas roupas, sapatos, joias e mais roupas, até que espetou o
dedo numa coisa afiada no fundo do baú. Precisou se conter para não gritar.
Enfiou a mão novamente no baú, a procura do objeto pontiagudo, com cuidado.
Seus dedos tocaram aquilo que parecia ser marfim, frio e liso. Ela puxou. O que
veio em sua mão foi uma adaga de lâmina triangular, polida e afiada. “Quando eu coloquei isso aqui?”. Ela
ficou admirando a adaga, que, provavelmente, havia sido presente de algum
pretendente seu. Imagens do Salão Verde voltaram à sua cabeça. Todos os homens ali presentes lhe admirando,
fazendo promessas. Seu pai dizendo que ela precisava se casar. Ela levantou-se e caminhou em direção à cama. Um rapaz bonito e
misterioso vinha andando em sua direção. A adaga estava firme em sua mão
direita. “Seus
olhos não são como todos dizem” falou o rapaz.
Ela
parou ao pé da cama. O passeio no jardim. O pedido de casamento sob o olmo. Alejandro dormia placidamente, a
encarnação da beleza. O casamento. A coroação. Os apertões. As
ameaças. Ela ergueu
lentamente a lâmina sobre a cabeça. O que ele fez com ela naquela cama. A surra que lhe deu. A
humilhação.
— Quem vai
lhe proteger agora? — sussurrou ela no silêncio da noite, abaixando a adaga com
rapidez e perícia contra o peito de Alejandro. Mas parou.
“Por que você parou, sua idiota? Continue.
Mate-o!” Liz tentou, mas não conseguia. “Pense
no que ele fez com você. Ele lhe humilhou. Bateu em você. Ele estuprou você” Mas
ela não conseguia, por mais que tentasse. “Amanhã
ele vai lhe matar. Mate-o antes!”
Não sou como ele.
“Mate-o AGORA!”
Não sou como ele!
Liz correu
com a adaga em direção a própria garganta, mas em vez de cortar seu pescoço,
começou a cortar o cabelo aos tufos. “Amanhã
ele vai me matar”. Correu até o baú. Foi só aí que ela percebeu que estava
nua. Vestiu uma túnica simples. Pegou um manto grosso e uma saia velha. “Se ele não me encontrar, não vai poder me
matar”. Foi até uma mesinha no canto do quarto e pegou todos os pães,
queijos e frutas que estavam sobre ela e jogou-os dentro da saia que encontrou,
fazendo uma trouxa. “Se eu conseguir
chegar à Brumário, José irá me ajudar”. Foi até a lareira e pegou um pouco
de cinzas e passou em seus braços, rosto e cabelo recém-cortado. Pegou a adaga
e guardou na cintura. Saiu do quarto, deixando Alejandro dormindo, mas parou
quando viu um archote aceso no corredor. Arrancou-o da parede e voltou ao
quarto. Aproximou-se do rei e sussurrou:
— Pensei
melhor. Te vejo no inferno, vadia — e
começou a tocar fogo nas cortinas, tapetes, armários, e antes que Alejandro
acordasse e percebesse o que estava acontecendo, ela já descia os últimos
lances de escada da torre onde ficava o quarto.
Enquanto os
moradores e empregados do castelo corriam apavorados para todos os lados, Liz
roubava um cavalo da cocheira e corria em meio aos montes de neve de Alvo
Campo, rindo sozinha de Alejandro trancado em seu próprio quarto em chamas.
— Eu estou
sorrindo agora! Está vendo, meu senhor? — gritava ela para o vento, enquanto o
castelo ardia em altas labaredas as suas costas.
●●●
Depois de
algumas semanas, Liz chegou à Brumário. Foi um trajeto difícil, onde ela
precisou enfrentar a neve, a escuridão, e, quando a comida acabou e não se achava
fruta em lugar algum, roubar de algumas casas e plantações que se encontravam
pela estrada. Ela esperou anoitecer para poder passar escondida pelos muros do
castelo, deixando o cavalo do lado de fora. Já era tarde e tudo estava em total
silêncio. Passou em frente às forjas e depósitos, chegando finalmente à
cavalariça, onde os cavalos dormiam sem se preocupar com a garota encapuzada
que passava entre eles. Ela chegou à porta dos fundos e bateu-a o mais sutil e
silenciosamente que conseguiu.
— José, abra. Sou eu. Voltei. —
sussurrou Liz na esperança de que ele pudesse escutar.
Mas quem abriu a porta não foi José, e
sim um rapaz moreno, alto e musculoso de cabeça raspada. Liz assustou-se.
— Onde está o... o... José?
— Ele não trabalha mais aqui.
O pânico tomou conta de dela.
— O que fizeram com ele? — falou ela,
mais alto do que gostaria, mas o rapaz não pareceu perceber o seu temor.
— Ele casou-se e foi plantar roça lá
para as bandas de Naugrúvia. Se a senhora não se importa, eu preciso...
— Casou-se? Quando? — perguntou Liz,
desnorteada.
— Não faz muitos dias. Assim que a
princesa foi embora do castelo (que Deus a tenha) ele arranjou uma noiva não se
sabe onde, não se sabe como, e casou-se, saindo quase fugido daqui. Na verdade,
era uma mulherzinha estranha; baixinha, tinha os dentes tortos, mas fazer o
quê? Nessas coisas de amor não se pode fazer nada.
Esta última parte sobre o amor Liz não
escutou, pois já havia dado as costas e caminhava apressada para fora da
cavalariça, deixando o cocheiro falando sozinho. Ela saiu dos muros do castelo
e subiu no cavalo, que cochilava, e começou a cavalgar como se um exército a
perseguisse, sem rumo. O homem que havia jurado nunca esquecê-la, sempre estar ao seu lado, ama-la para sempre,
havia casado com outra. O homem que havia sido o responsável pelos melhores
momentos da sua vida não a amava mais. Nunca mais iriam se ver. Ela não o
culpava, afinal de contas, ela também havia casado, tinha construído uma nova
vida — ou quase. Mas eu não tive escolha.
Ele não poderia espera-la para sempre, ele precisava viver. Neste momento ela chegou à conclusão de que o destino não
tem o menor senso de humor. Liz sabia que nenhum dos dois tinha culpa do que aconteceu,
e se algum dia houve amor entre eles, ele ainda devia abitar em algum lugar,
mesmo que no quarto frio e úmido da cocheira. Neste momento Liz parou o cavalo
no alto de um monte, para contemplar o nascer do sol, que derramava seus raios
de luz sobre uma torre em ruínas no fundo de um vale verdejante, rodeada por
árvores e lírios. Ao longe se podia ouvir o canto dos pássaros e o som de água
corrente.
“Quão
bela pode ser a tristeza?”
Para Lilian;
minha princesa, minha flor'
7 comentários:
Muito bom! Fim inesperado. Acredito que todos achavam que ela iria se encontrar com José. Quem sabe em uma quarta parte?
Visite o meu e diga o que acha.
www.cchamun.blogspot.com.br
Podemos ser seguidor um do outro, o que achas?
Abraço.
Claudio, adorei seu blog. Suas crônicas são ótimas, e aquela da motosserra é hilária.
*Já estou seguindo'
Simplesmente "PERFEITO", sempre que li seus poemas, seus contos, eu sempre dizia que você era louco e que eu não entendia nada, mas pela primeira vez tenho que me ajoelhar aos seus pés e lhe reverenciar por esta obra que pela primeira vez me envolveu completamente. A cada palavra que eu lia a emoção e a curiosidade tomava conta de mim... Parabéns e obrigado, de certo modo, pela homenagem "José". Parabéns.
Pedro:
To te seguindo também. Confere ai.
Não deixe de pensar na parte 4, acho que rola hein?
No meu blog. Navegue pelas outras crônicas, vais gostar de "Bater ou não bater eis a questão", Mas não deixe de ler as outras. O Blog é novo, tem apenas 3 meses e 14 crônicas.
Abraço.
Ual! Parabéns. Apenas achei estranho o fato de um castelo de pedra pegar fogo tão rápido, mas não entendo mesmo disso, rsrsrsr. O Rei era muito violento e a princesa muito fácil, convenhamos. Deixou-se encantar muito fácil com palavras bonitas. E o José, coitado, terminou com uma baranga, rsrsr
Os castelos antigos são cheios de tapeçarias, cortinas, e móveis de madeiras raras por todos os lados; provavelmente, por isso, ele pegou fogo tão rápido (eu acho). Também não entendo nada de castelos. Acho que a princesa não era tão fácil assim; talvez ela estivesse apenas querendo ver seu pai feliz, realizando o desejo dele. Muitas vezes abrimos mão do que sonhamos para agradar a quem amamos. Temos a impressão de que a princesa é muito fácil por causa da cena do jardim, no entanto, ela nos é apresentada através da visão de José, e não temos a oportunidade de acompanhar aos pensamentos de Liz, e, convenhamos, ela é bastante hostil (no seu mundinho particular), e não queria nem um pouco esse casamento. Alejandro era uma mistura de garoto mimado com lobo mau; esperando desde sempre uma vítima indefesa para "abocanhar", mas, assim como o lobo dos três porquinhos, acabou queimado. E o José (pobre José) é a representação de muitos garotos que existem por aí: é o homem certo, mas que, por falta de oportunidades/posses/poder, acaba com a garota errada.
E quem disse que nãoe existe vida inteligente na internet? parabens!
Me faz uma visita?http://mardeletras2010.blogspot.com.br/2012/09/cidade-bipolar.html
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