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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

“ENTRE CONFETES, SERPENTINAS, VENHO TE OFERECER COM ALEGRIA O MEU AMOR”



Ela era de Pernambuco. Ele de Minas. Ela se chamava Beatriz. Ele era Roberto Marques Coutinho. Beatriz nasceu e se criou no Recife, sentindo diariamente o sol desta terra queimar seu rosto, deixando sua pele já morena com um brilho acobreado. Roberto nasceu em Tiradentes, mas mudou-se ainda pequeno para BH quando seu pai comprou uma fábrica de rolhas na capital mineira. Roberto não conversava muito com ele. Beatriz trabalhava numa loja de roupas no centro da cidade, e diariamente precisava pegar metrô e ônibus para chegar ao trabalho. Sempre cheios, repletos de pessoas suadas e mal-humoradas. Roberto não precisava pegar ônibus e metrô; na verdade, ele nunca andou de metrô. Seu meio de transporte era um UNO que ele havia ganhado do pai no seu aniversário de 18 anos. Era ele que Roberto usava diariamente para ir e vir da faculdade. Ele estudava direito.
                Sim, a vida de Beatriz era dura, mas apesar de tudo, ela era feliz. A pernambucana passava o ano inteiro esperando o carnaval. Havia qualquer coisa na sinfonia frenética do frevo e na batida pesada do maracatu que a deixava se sentindo plena, completa. Nos dias de folia ela não parava. Seus pés carregavam-na para cima e para baixo nas ladeiras de Olinda, nas ruas mal iluminadas do Recife Antigo. Era para o carnaval que ela vivia. Aquele era o seu espetáculo, seu balé de corpos nus e rostos mascarados. Roberto também gostava do carnaval... não exatamente do carnaval. Na verdade sua festa girava em torno da vodca, do whisky e da cerveja. Mas a parte preferida dele era sair de perto do pai. Ele não suportava aquele velho bigodudo tentando podar sua juventude diariamente. Neste ano, ele e seus amigos haviam decidido ir pra Olinda. No domingo de carnaval, enquanto pulava bêbado achando que estava dançando frevo, ele esbarrou numa garota. O nome dela era Beatriz. Ela era pernambucana.
                No domingo de carnaval Beatriz vestiu sua fantasia de aeromoça e foi para Olinda. Enquanto ela seguia encantada um dos incontáveis blocos da cidade, um cara bêbado esbarrou nela. Ela nem teve tempo de reclamar, e ele de pedir desculpas, pois o rapaz desmaiou por causa do excesso de álcool, ali mesmo. Beatriz ajudou a leva-lo para a casa em que ele estava hospedado. Lá ela descobriu que o nome dele era Roberto. Ele era mineiro.
                Depois de recuperados do susto, Beatriz e Roberto ficaram amigos, ou mais que isso. Ela falou-lhe sobre as maravilhas de sua terra, e o levou para conhecer o Recife Antigo. Ele fingia que escutava, mas na verdade não conseguia se concentrar em outra coisa que não fosse o riso fácil dela. Eles dançaram, beberam, se beijaram, riram e transaram. Foram dias mágicos tanto para Roberto quanto para Beatriz; isso até que chegasse a quarta-feira de cinzas. Ele partiu sem se despedir. Não que ele não quisesse mais vê-la; Roberto apenas não queria ter na memória a lembrança da despedida. Beatriz ligou inúmeras vezes para o número que ele deixou, mas ninguém atendeu, e jamais atenderia, pois Roberto havia capotado com o carro enquanto dirigia bêbado numa rodovia federal. Os quatro ocupantes do carro morreram na hora. Seria um engano dizer que a última coisa em que Roberto pensou foi o sorriso de Beatriz, pois na verdade foi o bigode do pai.
                No ano seguinte Beatriz voltou à Olinda, mas nem se lembrava de Roberto. Ela continuou seguindo os blocos que passavam, sentindo no fundo do peito a batida do maracatu e entregando-se à eletricidade do frevo, permitindo-se viver alguns dias de magia e descontrole, antes que a vida prosseguisse cinza.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

ANTIGOS SACRIFÍCIOS



O grande líder está velho
Seus discursos são ecos inaudíveis
Todos os olhares estão direcionados para ele
Mas palavras ditas
Não são palavras entendidas


Ergue-se a face do povo
Para a grande tempestade
Que está para chegar
Ouvir-se-ão outros ecos, outras vozes
São jovens os novos deuses,
Ouvidos e entendidos

Em seus trovões ressoam terrores
Mas, apesar do medo, os veneram
Não exigem sangue e adagas
Apenas toque, entrega e sussurros
São jovens os novos deuses
Morrem de amores e apenas morrem