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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

CENA VII



                Abrem-se as cortinas. O cenário se resume a uma árvore seca e sem vida banhada por uma sutil luz dourada, que tenta imitar o sol, sua beleza e ferocidade. Entra Maria aos prantos e correndo, trajada e maquiada ao estilo armorial. Ela joga-se de joelhos diante da árvore, levando as mãos fechadas em concha ao coração. A atriz olha para cima, para os ramos da árvore, depois desce a vista até seu tronco e precipita-se sobre ele, abraçando-o. Abre a boca e diz em altos brados:
                — Árvore, tu que é minha amiga, acuda-me! Ajude-me Dona Árvore.
                — Por que choras menina? Respira e diz o que te aconteceu — responde uma voz sem dono.
                — É meu pai, Dona Árvore. Ele quer vender-me a um homem velho e feio, a que todos chamam “Coronel Midasino”. Dizem que rios de dinheiro correm em suas fazendas, e que os dentes já lhe nasceram de ouro, e até que tem casa lá para as bandas do mar.
                ­— Mas por que este coronel quer lhe comprar? Para fazer companhia a suas cabras não há de ser.
                — Antes fosse. Ele quer casar comigo. Quer me fazer sua esposa de papel passado — responde, com voz branda e suave.
                — E por que você não casa?
                — OXE! Quero não, Dona Árvore! — rebate Maria irritada, levantando-se de um pulo e saltando para longe da árvore — Nasci pra casar com homem velho e feio não. Dona Genoveva disse que o tal do coronel já tem mais de 200 anos, e que chegou aqui antes mesmo de tudo virar sertão, quando "inda" era mar.
                — Não acredite em tudo que o povo diz, menina. Essa gente daqui gosta de inventar história. Por que você não diz a seu pai que não quer casar com o coronel? Talvez ele...
                — Já disse, Dona Árvore! Já disse! — esbraveja a atriz, voltando a chorar — Mas ele diz que criança não tem querer! Diz que me casa com o Coronel Midasino nem que seja amarrada! Ajude-me Dona Árvore! Eu imploro.
                — Pobre menina, como poderei eu te ajudar se não passo de uma árvore velha e torta? — responde a voz, em tom doce e melodioso.
                — Me leve embora daqui Dona Árvore, para um lugar onde meu pai não me encontre — suplica Maria, indo para frente do palco e dando as costas à árvore.
                — Como poderia eu te levar, se minhas raízes me prendem a este chão seco e duro?
                — Então me esconda embaixo das tuas raízes, dentro da terra.
                — Bicho homem não vive dentro da terra, tire essa ideia da cabeça. Quando tua gente desce ao chão é pra não mais voltar.
                — Então me leve para baixo do chão, Dona Árvore! Acho esse melhor fim do que casar com o coronel.
                — Deixe de asneiras! — o silêncio prolonga-se, sendo quebrado apenas pelos suspiros da atriz — Menina Maria, tenho um segredo a lhe contar. Não lhe contei antes porque... bem, não sei porque não contei antes, mas agora vou contar.
                — Conte logo, Dona Árvore, que sua demora tá me deixando avexada.
                — Não sou árvore.
                — Não é árvore? — Maria vira-se — Como não, se tem cara de árvore.
                — Não sou árvore.
                — Como não, se tem cheiro de árvore — afirma a menina, cheirando o tronco.
                — Não sou árvore.
                — Como não, se até o gosto é de árvore — questiona Maria, lambendo a casca da árvore.
                — O que tu vê, sente, cheira e... e prova, é árvore, mas eu não sou árvore.
— Agora entendo ainda menos do que antes.
— Não sou árvore, menina Maria, sou pássaro, desses que voam e fazem ninho — esclarece um passarinho de madeira, que sai de um buraco no tronco. — Quando tu vieste da primeira vez, assustada e cheia de verbos, eu dormia aqui neste buraco. Eu te escutei e te aconselhei, mas tu pensaste que era a árvore que te falava, e não “eu”. Voltaste, e passas-te a me chamar de “Dona Árvore”, então te deixei pensar que era a árvore que te respondia. Mas sempre fui pássaro, e sempre hei de ser.
— Que susto Dona... Seu Pássaro, até pensei que fosse coisa mais séria.
— Tu não ficaste arretada comigo?
— Oxe! Por que haveria de ficar se você não fez nada de mal pra mim? Não importa se é planta ou bicho, eu não confio é em gente. Mas, Seu Pássaro, por que inventou de contar isso pra mim agora?
— Por que, talvez, assim eu conseguiria resolver o seu problema.
— Como, Seu Pássaro? Como?! — pergunta Maria, eufórica.
— Te levando pelo céu comigo, pois, lá no alto, teu pai não há de nos encontrar.
A menina fica subitamente abatida, de ombros caídos, e fala, com voz triste e apática:
— Como poderei ir contigo, Senhor Pássaro, se não posso voar?
— Isso não é problema.
— Como não, se sou gente, e gente não tem asa, e quem não tem asas não voa.
— Isso não é problema, menina Maria, pois sou um pássaro mágico, e tenho o poder de transformar quem quiser em ave, como eu.
Neste momento um grande sorriso estampa-se no rosto da atriz e de todo o público.
— Então me transforme, Senhor Pássaro! Me transforme em passarinho, como o senhor.
— Tem certeza disso, menina Maria? Depois de virar pássaro, nunca mais voltarás a ser gente.
— Tenho certeza sim! Pode me transformar! É melhor ser pássaro do que ser gente, pois bicho pior não há. Dai-me asas, Senhor Pássaro, que assim chegarei mais perto do sol, e o que me prende aqui na terra lá no alto não há de me alcançar.
— Se é verdadeiro teu desejo, então te darei asas, penas e um bico, e assim serás pássaro, como eu.
E depois disso a atriz some num turbilhão de fumaça, ao som de um maracatu qualquer, dando lugar a um passarinho de madeira alva, menor do que o outro. Os dois então abrem suas asas mecânicas e voam sobre o público. Todos aplaudem extasiados. Os atores voltam ao palco e fazem suas mesuras. As luzes se apagam e as cortinas se fecham. Fim do espetáculo.

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A atriz deixa de ser Maria e volta a ser Verônica. Tira o vestido de retalhos coloridos e veste sua calça jeans. Lava o rosto rapidamente para retirar a maquiagem pesada, pega o ordenado do dia com o produtor, se despede de todos e caminha para a saída do teatro. Acende um cigarro no caminho, e sai para a noite fria e escura, sem as luzes douradas. Corre para pegar o ônibus que já chegava ao ponto. Paga a passagem e senta-se no fundo. Reclina a cabeça e cochila enquanto uma das falas da peça volta a sua cabeça. “Quem não tem asas não voa”.  Fim do espetáculo.

2 comentários:

Claudio Chamun disse...

Só não gostei a parte do cigarro - rss. Sou anti-tabagista.
Esta estória dá uma peça de teatro.
É uma das minha metas se eu ganhar na mega sena - kkkk - produzir peças e filmes de novos talentos.

www.cchamun.blogspot.com.br
Histórias, estórias e outras polêmicas.

Pedro Lourenço disse...

Também não gosto de cigarro, mas parece que todos os artistas fumam e/ou tomam café em demasia.
E se quiser me patrocinar eu deixo' ;D