Escrevi este conto como um presente para minha amiga, Lilian. No início, eu tinha a intenção de escrever apenas algumas laudas, mas as coisas saíram de controle, e deu no que deu. A história foi me tomando cada vez mais, me furtando do mundo real. Foram madrugadas habitadas por palavras, porfantasiarealidade. Enfim, dividirei esta história em três partes, e espero que todos fiquem tão encantados por Liz quanto eu.
Com vocês, Liz, a princesa que existe em todos nós.
Nos tempos idos de antigamente, vivia
no reino de Brumário uma princesa tão bela e nobre que atraia cavalheiros de
todo o mundo, vindos com o único intento de contempla-la. Condes do oeste,
príncipes do norte, sultões dos desertos do sul, e todo tipo de homens nobres
que se pode imaginar. Vivia esta princesa numa alta torre do castelo, e
diariamente ela descia ao Salão Verde, trajando os mais lindos vestidos e as
mais ricas joias que alguém já usou. Sentava-se em sua cadeira de espaldar
alto, ao lado do trono do pai, e prostrava-se a receber seus admiradores. Era
um ritual incessante de beijos em suas mãos, de galanteios, presentes dos mais
extraordinários que há, juras de amor e tudo o mais. Liz (este era seu nome)
tinha longos cabelos negros, a pele alva e macia como a mais fina das sedas,
tinha lábios de beijo, e mãos delicadas, como as de um artista, mas eram seus
olhos que mais encantavam, não por serem a parte mais bela de si, mas por
destoarem de todo o resto, pois, apesar de sua boca sorrir, seus olhos eram
tristes, não cediam a nenhum agrado ou elogio. Eram sempre infelizes e apáticos,
mas não menos fascinantes por isso, pelo contrário, funcionavam como um
desafio, quase um mito. “Quem merecerá os olhos da flor?” Era o que corria pela
boca de todos os camponeses do reino e todos os nobres do mundo, e eram assim
conhecidos seus plácidos e encantadores olhos, os “olhos da flor”.
Eram tantos os
pretendentes, e tantas as decepções, que a frieza de Liz tornou-se quase tão
famosa quanto seus olhos. Era grande a curiosidade de todos para saber qual o
motivo pelo qual a princesa, tendo tantos príncipes e condes aos seus pés,
ainda não havia arranjado casório. Muitos diziam que ela, apesar do corpo de
mulher, tinha cabeça de criança; alguns afirmavam que carregava algum tipo de
encanto ou maldição; havia até quem dissesse que sentia prazer em ver tantos
homens sofrendo de amor — diziam isso seus pretendentes ignorados, que
pressionavam o rei para que ele arranjasse logo um noivo para sua filha, pois
ela já passava da idade de casar. Estando o rei já farto desta história de
casamento e amores não correspondidos, decidiu arrancar uma resposta definitiva
da filha, tocando no assunto no jantar, depois de um dia extremamente cansativo
no castelo:
— Minha
filha, você sabe que seu pai é um homem velho, e que meus dias neste mundo já
vão pelos últimos. Não faça essa cara, querida, sabes que é verdade. Não encaro
por mal a morte que se aproxima, pois ela daria fim a muitos sofrimentos que
padeço, além do mais, eu encontraria sua mãe mais uma vez lá no paraíso, para
que possamos ficar juntos pela eternidade. Já explorei muitas terras
desconhecidas, já lutei muitas guerras, enfim, já posso dar por finda minha
missão neste mundo, não fosse por um problema especialmente difícil de resolver
que me aflige: nunca tive filho homem. Quis Deus me dar uma menina, o que me
deixa satisfeito e feliz, de todo o coração, pois és merecedora de todo o amor
e admiração que tenho por ti, mas há nisso um problema, pois, não tendo eu um
varão como herdeiro, ficaria vazio o trono, não sendo permitido, pelas leis da
linha sucessória, você receber a coroa. Tentei muitas vezes mudar essa lei,
porque sei que serias capaz de governar este reino melhor do que muitos reis
que há por aí, mas isto está além dos meus poderes, infelizmente. Onde quero
chegar, minha filhar, é no seguinte: você já é uma moça, já chegou à idade de
casar. Não fique assim minha flor, olhe para mim. Tens que entender que o futuro
do reino está em tuas mãos, pois o cavalheiro que escolheres por marido será
rei depois de mim, e governará tudo o que há entre o Vale das Horas e o rio Lauriano.
Caso eu morra antes de arranjares um esposo para tu e um herdeiro para o trono,
todos os reinos vizinhos, com exceção de Alvo Campo, iniciariam uma guerra para
tomar as nossas terras, o que causaria a ruína do nosso povo, e eu não posso permitir que isso aconteça.
Amanhã será o último dia que vais ter para escolher um marido. Um dia e nada mais,
você entendeu? O amor que tenho por ti é enorme, mas o meu dever para com nossa
terra e nosso povo é maior.
— Mas meu pai, eu não quero casar, não
agora. Ainda não achei o homem certo.
— Achará amanhã, caso contrário eu encontrar-lhe-ei
um, você querendo ou não. O príncipe Alejandro de Alvo Campo estará aqui, e
quero que você dê atenção especial a ele, pois ele é filho do Rei Leon, meu
amigo, e é herdeiro do trono.
— Mas meu pai, o senhor...
— Sem “mas”. Você encontrará um noivo
amanhã. Boa noite.
O rei se ergueu e encaminhou-se para
seus aposentos, deixando Liz, que começava a derramar incessantes lágrimas, sozinha
a mesa. Ela levantou-se abruptamente e correu em direção ao seu quarto, mas
quando chegou à escada parou, refletiu, enxugou as lágrimas e mudou de direção.
Caminhou na penumbra, e esgueirou-se para fora do castelo. Foi em direção à
cocheira, encoberta pela noite escura e sem estrelas. Adentrou a cavalariça,
encaminhou-se para uma porta que havia no fundo e bateu-a.
— José, abra! Sou eu!
Um rapaz
rapidamente abriu-a, com um sorriso estampado no rosto. Seus cachos loiros
emolduravam seu rosto branco e resplandecente. Liz rapidamente entrou no
recinto e mandou que fechasse a porta. José obedeceu. Quando ele viu a aflição
estampada em seu rosto, logo ficou preocupado, e o belo sorriso logo deu lugar
ao medo do que poderia estar havendo.
— Aconteceu
alguma coisa? — perguntou José.
— Meu pai.
— O que houve
com o rei?
— Ele quer
que eu me case.
— Pensei que
fosse alguma coisa mais séria — falou ele, tirando um peso da alma.
— Ele quer
que eu escolha um noivo amanhã... ou então escolherá um para mim. Amanhã José,
amanhã — terminando de falar, Liz começou a chorar copiosamente.
José não
pronunciou palavra, apenas permaneceu estático. “Por que isso agora? O rei
nunca havia feito isso, por que agora?” Pensou ele, num misto de incredulidade
e raiva.
— O que nós
vamos fazer? — perguntou ele, por fim.
— O que nós vamos fazer?! Não há nada que
possamos fazer! Amanhã, a esta hora, eu estarei noiva, e nunca mais poderemos
ficar juntos. Eu não posso viver assim!
José
abraçou-a, também se desmanchando em lágrimas. Ele tinha a garota mais linda do
mundo em seus braços, e iria perdê-la. Ele não podia deixar que isso
acontecesse, nem que para isso tivesse que abrir mão de tudo.
— E se nós
fugíssemos? — ele propôs.
Liz parou de
chorar, ergueu a cabeça e olhou fundo nos seus olhos, como se procurasse alguma
verdade oculta ou revelação divina. Os
olhos da flor. Ao contrário do que todos pensavam, eles tinham sim um
merecedor. Quando ela estava com José, seus olhos deixavam de ser apáticos e
tristes; tornavam-se alegres, curiosos e brilhantes. Era na companhia dele que
ela era mais feliz e realizada; foi com ele que descobriu todos os prazeres que
podem existir entre um homem e uma mulher. Ele era seu melhor amigo, seu
amante, seu conselheiro, sua vida. Como viver sem ele? Ela afastou-se de seus
braços, tirou a vista de seus olhos e respondeu, por fim:
— Não posso
fazer isso.
— É seu pai,
não é?
— Ele já está
velho, e já perdeu a mamãe, não sei se ele suportaria me perder também. Talvez
ele até... ele... — ela não conseguiu terminar a frase, e lágrimas correram por
seu rosto como em uma cachoeira.
— Não fique
assim, nós vamos dar um jeito — disse José, abraçando-a. — E se você tentasse
falar com ele, explicar que não quer casar agora, talvez ele até...
— Eu já
tentei. Ele não quer ouvir. Diz que o futuro do reino está em minhas mãos, que
eu preciso achar um herdeiro para o trono. Por que não pode ser você? Você é
inteligente, e tenho certeza que seria um ótimo rei. Talvez se eu tentasse
conversar com ele, falar de nós dois, talvez ele entendesse, talvez até
apoiasse. Você é confiável, fiel, ele te conhece, gosta de você, e poderia...
— Já falamos
sobre isso, Liz. Por mais que seu pai goste de mim, ele jamais permitiria que
um cocheiro se tornasse seu herdeiro, além disso, se você lhe contasse alguma
coisa, talvez ele mandasse me prender, talvez até me matar, ou coisa pior.
— O que
poderia ser pior? Mandar você limpar a merda dos cavalos?
— Eu já faço
isso.
— Eu sei —
respondeu ela, com um sorriso no rosto. — Então é isso? Tudo acaba aqui?
— Nada acaba
aqui. Sempre estaremos juntos, e nada poderá nos separar.
— Nada?
— Nada.
— Você jura?
— perguntou ela, empurrando-o pare longe de si.
— Juro. —
respondeu ele, indo ao seu encontro.
— Jura pelo
quê? — retrucou ela, fugindo de seu abraço com um sorriso malicioso no rosto.
— Juro pela
lua.
— É pouco.
— Juro pelo
Sol.
— É pouco.
— Juro por
todas as estrelas do céu.
— Ainda é
pouco.
José
abraçou-a forte, olhou fundo nos seus olhos. Aproximou seu rosto do dela, e
disse, num sussurro:
— Juro por
todos os momentos felizes que tive ao seu lado, por todos os sorrisos, os
olhares, os suspiros e os beijos. Juro por tudo que houve entre nós, e pelo que
ainda não houve. Juro por todo o amor
que existe no meu peito. Juro que nunca vou te esquecer. E você?
— Eu o quê?
— Você jura?
Liz não
respondeu, apenas abraçou-o ainda mais forte, colou seu rosto no dele e
beijou-o. Seus lábios pareciam pertencer um ao outro, tão grande era a entrega
dos dois. José desceu sua boca até o queixo de Liz, depois ao seu pescoço.
Enquanto ela se afogava em suspiros, José desamarrava delicadamente seu vestido
de seda cinza, laço por laço. Desceu até seus firmes seios e beijou-os com o
amor de quem beija uma relíquia, e continuou soltando os laços. O vestido caiu
no chão deslizando pelo belo corpo de Liz, revelando uma beleza tão tentadora e
deslumbrante que encantaria o mais frio dos homens. José tomou-a em seus
braços, e os dois deitaram no chão de madeira fria e úmida. Seus corpos nus
funcionavam com uma sincronia perfeita, como num ritual de entrega e
sacrifício. Os músculos tensos de José comprimiam-na contra seu corpo suado,
envolvendo-a por inteiro. Ali, entre
carícias e suspiros, ele possuiu-a com todo o desejo e paixão que conseguiu
encontrar dentro de si, e ela retribuía com todo o calor que havia em seu jovem
corpo, amando-o, devorando-o, colocando em chamas o quarto no fundo da cocheira.
José sentia o incandescente ventre dela consumindo-o, junto com pernas, braços,
boca e coração, como que derramando amor pelo chão. No silêncio da noite, os dois
tornaram-se um, e o que antes era lágrima virou riso, o que era medo virou
amor, e o que era humano tornou-se imortal.
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5 comentários:
Essas estórias divididas em partes só servem para inquietar meu triste coração, rsrsrs. Gostei muito da descrição da princesa, pois já me disseram que meu olhar é triste e melancólico. Vou contar-lhe um segredo; sou um príncipe. Se você conferir o cabeçalho de meu blog, há um reizinho lá, rsrsrs. Entendo o rei, mas torço pela princesa. Espero que tudo dê certo.
Você é o príncipe dos blogs, com toda a certeza. E quanto a princesa... o que tiver de ser, será, alteza'
Muito bom quando começamos a escrever e perdemos o controle.
Por mim eu escreveria todos os dias, mas escrever por escrever, não consigo. Tem que ter uma inspiração.
Pedrão.. Este conto foi muito legal.
Mas, deves a parte IV rsss
www.cchamun.blogspot.com.br
História, estórias e outras polêmicas
Infelizmente essa história não vai ter continuação... Mas, quem sabe, um dia, voltemos a ler sombre Liz de novo.
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