O padre suava aos borbotões dentro de
sua batina negra, e, a cada frase de sua prece que terminava, erguia um lenço
para enxugar a testa, lenço este que já estava ensopado com o suor do homem de
Deus. O sol havia sido ocultado por mal-humoradas nuvens cinza, mas ele,
orgulhoso como é, fazia questão de transformar a terra num inferno, mesmo sem
poder ser visto. O astro rei derramava impiedosamente seu calor diabólico sobre
grama mal aparada, lápides em ruínas e roupas pretas, e uma roupa azul, no caso
da Dona Bela.
As poucas pessoas presentes no
enterro se agrupavam em torno da cova aberta, trazendo expressões que iam da
tristeza saudosista à impaciência escancarada, salpicadas aqui e ali por grupos
de senhoras ― e alguns senhores ― que cochichavam desconfiadas sobre o defunto,
a mãe do defunto e a causa da morte do defunto. Margarida falava à Dona Fátima
sobre a má educação que Maria José ― a mãe do defunto ― havia dado ao filho, em
um tom um tanto altivo para alguém que tem o filho que tem, na minha singela
opinião, mas isto não vem ao caso. Zefinha falava com o marido e a filha algo
sobre um terreno em Roda de Fogo, e, não muito longe dali, Dona Terezinha e
Dona Emília abanavam-se com as mãos enquanto fuxicavam descontroladamente.
Impressionante como elas não perdiam o fôlego.
― Então, foi gaia mesmo?
― A família não falou nada sobre
isso, mas a vizinha de Maria José, aquela Ana, que faz salgados, disse que foi
gaia. A mãe não quer falar pra não passar vergonha. Até entendo.
― Mulher, eu num esperava isso de Cecília não. Logo ela, que tinha aquela cara
de santa. O corno pegou os dois na cama, foi?
― Nada, mulher. O pobre do Davi tava trocando o botijão de gás quando
Ramiro chegou. Teve nem como se defender. Os
tiro foi tudo na cabeça.
― Coitado. Tão novo e teve um fim desse. Merecia não. Mas é isso que dá
comer a mulher dos outros.
― E o pior é que nem comeu.
― Como assim, mulher? ― falou Dona
Emília, alto demais, chamando a atenção de quem estava por perto.
― O corno matou o homem errado.
― Mas num era esse aí que tava na
casa dele quando ele entrou?
― Era, mas ele num tinha nada a ver com a história; tava lá porque Cecília chamou ele pra trocar o gás que tinha
acabado. Quem comia a mulher de Ramiro era o tal do Eduardo, sobrinho de Seu
Bio. Tu sabe quem é?
― Num é aquele da moto laranja?
― Pronto, é esse mesmo. Pois a
história da guaia chegou no ouvido de Ramiro, e ele voltou arretado pra casa,
pronto pra matar o cabra que dormia com a mulher dele, mas quando chegou lá viu
Davi, e pensou que fosse ele. Deu três tiros na cabeça e fugiu. Parece que
Cecília se escondeu, e por isso se salvou.
― Sangue de Cristo tem poder. Quer
dizer que o menino morreu por nada? Acredito nisso não.
― Isso que dá se enfiar em casa de
puta. Leva fama de urso sem nem ter tocado na quenga.
― E que fim levou Cecília?
― Hum! A rapariga não perdeu tempo.
Assim que o corno fugiu, ela correu pra casa do urso. Os dois treparam naquela
moto e meteram o pé. Tão dizendo que foram pra Alagoas, mas eu acho que eles tão é escondidos por aqui por perto
mesmo.
― Quer dizer que Davi morreu de
graça, a rapariga fugiu com o urso e o corno continua sendo corno?
― Então. Parece até novela.
― Esse mundo tá perdido mesmo. ―
Dona Emília calou-se por quatro segundos, e, acredite, esse foi o silêncio mais
longo da conversa. ― Vixe Maria, esse padre não para de falar hoje não? Ele tá
achando que a gente não tem mais o que fazer em casa não, é?
― Mulher, fala assim do padre não
que é pecado. Controla essa língua.
As duas senhoras calaram-se a tempo
de dizer “Amém”, mais um de tantos que ainda seriam proferidos naquele
enterro. Dos ali presentes, só o defunto não se uniu ao coro.
8 comentários:
Hahaha Ri muito!
Muito bom. :D
Lembrei das vizinhas daqui do meu bairro. HAUHUAUAHAHUA excelente texto cara!
http://utopianongrata.wordpress.com/
Trágico e engraçado.
Muito bom Pedro.
Grande estilo.
Muito bom! Preciso te dizer que achei extremamente bem escrito, e com pitadas de humor e ironia na medida certa. Olhe que não costumo gostar de crônicas cotidiana, mas tiro meu chapéu pra esse diálogo sobre o defunto!
Cadê você Pedrão? O H. E. e O. P. está sentindo tua falta.
Daqui a pouco eu apareço lá, Chamun ;D
GENTE!!!! SENSACIONAL o conto, adorei, quem não se identifica né, vizinha fuxiqueira é o que mais existe no mundo, e aglomeração de pessoas, mesmo que seja em um enterro, é pedir pra que elas apareçam se unam e comecem a descer a lingua em todo mundo, o melhor é quando de separam e daí uma começa a falar mal da outra ... rsrsr realmente ótimo o texto, minha primeira vez aqui e adorei o layout do blog tmb, parabéns...
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http://anteontemmusical.blogspot.com.br/
Obrigado por ter participado da festa de Aniver do H. E. e O. P. meu amigo.
És muito bem vindo por lá e em qualquer lugar.
Estou com saudade dos teus textos.
Abraço.
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