A FLORESTA ASSOMBRADA
A garota ergueu os olhos para o céu, mas as
árvores eram tão próximas umas das outras que não era possível ver as estrelas,
muito menos a lua, que estava negra naquela noite. Eles andaram tateando
durante um tempo, mas depois de muitos tropeços e pés presos em buracos e
raízes, resolveram parar.
— Quando o
sol nascer continuamos — disse Kevin, encostando-se numa árvore e sentando no
chão. — Durma.
Sophie juntou
as folhas que encontrou ao seu redor e deitou sobre elas, mas não conseguiu
dormir. O vento que soprava entre as árvores fazia-as ranger e balançar,
enchendo a floresta com fantasmagóricos agouros, gelando a espinha da garota. O
resto da noite pareceu demorar uma eternidade para passar, mas, quando o sol
enfim começou a nascer, uma pálida luz cinzenta inundou a floresta, revelando troncos
antigos e retorcidos, com folhas escuras que bebiam o fraco brilho que conseguia
passar pelas copas das árvores. Não se podia enxergar mais do que dois metros
em qualquer direção, tão densa era a vegetação. Kevin ainda estava sentado no
mesmo lugar, com olheiras e um profundo arranhão na bochecha. Ele encarava o
nada, com o machado em mãos. Sophie olhou em volta, tentando descobrir de onde
haviam vindo, mas eles andaram às cegas durante muito tempo, e agora ela tinha
perdido totalmente a noção de onde se encontravam.
— Estamos
perdidos — disse Sophie, levantando-se e limpando o vestido de tecido rústico.
Kevin
assustou-se, agarrando o machado com força e olhando em volta. Ele encontrou a
irmã em pé, tirando gravetos do cabelo. Após olhar rapidamente as árvores ao
seu redor, chegou à mesma conclusão.
— Não podemos
estar muito longe da estrada, não andamos tanto assim.
— Para onde
vamos agora?
— Não sei —
disse ele, já de pé e girando nos calcanhares. — Podemos procurar alguma coisa
para comer, quem sabe encontramos até uma cabana.
— Uma cabana?
Aqui? — Sophie franziu a testa.
— Você tem
alguma ideia melhor? — rebateu ele, irritado. A irmã limitou-se a olhar para o
chão. — Me dê seu colar.
— O quê?
— Seu colar.
Me entregue ele.
— Pra que
você o quer? — rebateu ela, agarrando-se ao objeto. — Foi a mamãe que me deu.
— Vamos usar
as contas dele para marcar o nosso caminho pela floresta. Se elas acabarem, nós
voltamos para cá e tentamos outra direção.
Sophie
hesitou em tira-lo do pescoço, mas por fim entregou-o ao irmão. Ele partiu o
fio que o sustentava e segurou as contas na mão em concha. Os dois penetraram
ainda mais fundo na floresta sombria, passando por troncos cinzentos e galhos
retorcidos. Kevin ia à frente, jogando as bolinhas vermelhas por onde passava.
Caminharam por horas e horas, sem encontrar nada que lhes pudesse ser útil.
Cada árvore parecia ser igual a anterior, derramando as mesmas sombras sobre o
mesmo solo em decomposição. As contas, enfim, acabaram, e os dois começaram a
regressar. Voltaram seguindo o caminho das bolinhas vermelhas, pegando-as e guardando
nos bolsos, no entanto, depois de algum tempo, não conseguiram mais
encontra-las. Procuraram ajoelhados por entre folhas e raízes, mas não acharam
as outras contas em lugar algum. Sophie, depois de desistir, levantou-se e
começou a limpar os joelhos, quando enxergou um sutil brilho vermelho numa
árvore próxima. Aproximou-se e descobriu que era uma das contas, presa num dos
galhos. Esticou a mão e pegou-a, olhando-a com curiosidade.
— Foi você
que a colocou aqui? — perguntou ela, sem olhar para trás.
Não foi uma
resposta que chegou aos seus ouvidos, e sim um grito e um baque surdo. Ela
virou-se, sobressaltada, e encontrou o irmão jogado no chão, empunhando o
machado e lutando contra... alguma coisa que havia agarrado seu pé. Foi quando
sentiu algo roçando em seus cabelos, e, no momento em que levantou a mão e
levou-a a cabeça, um galho enroscou-se em seu pulso. Ela puxou o braço com toda
a força, mas o galho prendeu-a ainda mais, e sentiu uma raiz enrolando-se em
seu tornozelo. Um grito de fúria chamou sua atenção, e, quando olhou para
frente, deparou-se com o irmão correndo em sua direção, erguendo o machado
sobre a cabeça. Ela fechou os olhos, esperando pelo pior, mas tudo o que sentiu
foi o pulso que estava preso relaxar. Quando abriu os olhos, seu braço estava
livre novamente, e Kevin atacava a raiz que se enroscava em sua perna. No
momento em que ele finalmente conseguiu corta-la, o que sobrou voltou
contorcendo-se para dentro da terra. Mais galhos e raízes erguiam-se ao redor
dos irmãos, então os dois começaram a correr desembestados por entre as
árvores; Kevin na frente, golpeando com o machado qualquer coisa que entrasse
em seu caminho, e Sophie atrás, brandindo o punhal e cortando o ar, e algumas
folhas.
Os dois tiveram a impressão de ver rostos
nas árvores, alguns sorridentes, outros bravos, sussurrando para eles qualquer
coisa incompreensível. A floresta havia se tornado mais fechada, e ficava cada
vez mais difícil driblar dos galhos que tentavam agarra-los. Um deles agarrou
no braço em que Kevin levava o machado, e outro, enroscou-se em sua cintura.
Ele procurou pela irmã, e encontrou-a sendo arrastada, aos gritos, por uma
raiz. A garota apunhalou-a, mas outras já haviam se juntado a primeira, e
subiam por suas pernas. Sophie estava sendo puxada em direção a uma árvore
cinzenta e esguia. Ele tentou gritar, mas um galho grosso enroscou-se em sua
boca e garganta, sufocando-o. Sentiu-se sendo puxado para trás, com raízes e
cipós enrolando-se por todo o seu corpo, apertando-o cada vez mais forte.
O ar já não entrava
nem saia de seus pulmões, e sua vista estava começando a turvar-se. Ele não
tinha mais forças em seus membros, e parou de resistir à árvore. Kevin não
escutava mais os gritos da irmã, e a floresta escurecia e fechava-se ao seu
redor. Quando ele já havia abandonado qualquer ilusão de sair vivo dali, uma
luz dourada irrompeu na sua frente, derramando-se sobre uma sombra púrpura. O
vulto caminhou em sua direção, banindo as árvores para a escuridão. A figura
ficava cada vez mais próxima, num turbilhão de roxo e dourado. Kevin perdeu
todas as suas forças, e mergulhou nas sombras da floresta, deixando qualquer
luz ou esperança para trás. A morte é
roxa, foi o que ele pensou enquanto despencava nos ecos da escuridão.
(continua)
2 comentários:
Meu.. termina logo esta estória. Que agonia - kkkk.
Muito boa.
Aguardando o final.
www.cchamun.blogspot.com.br
Histórias, estórias e outras polêmicas
As florestas assombradas de meu mundo são parecidas com as suas.
Postar um comentário