Meu
amor foi sua ruína. Naquele dia ensolarado de março, debaixo da mangueira de
abrasantes folhas, ela disse sim. A inocente moça não sabia que, além do meu
amor, estava aceitando as desgraças guardadas paro os fins das tragédias; aceitava
em sua vida um sinal de sangue de morte.
Gritos. Sirenes. Acusações. Os
trovões que explodiam ao meu redor não passavam de ecos distantes, ressoando
nos ouvidos de alguém que não era mais eu. O mundo resumia-se aos últimos
suspiros dela, ao estrondoso silêncio que ecoava de sua garganta seca. Voz
quase morta de uma quase-morta.
A mão trêmula posta sobre a barriga,
guardando para Deus um futuro que não mais existiria. O pior não era a ferida
aberta, ou o terror nos olhos, mas sim a boca, que se abriu uma última vez para
proferir algumas poucas palavras que em outra ocasião seriam doces e
bem-vindas, mas que agora soavam como a mais imunda e miserável das maldições.
― Eu estou grávida... de um filho seu.
Os olhos fecharam-se. A verdade
trancou-se em seu corpo gelado. Prefiro a dúvida: diminui o impacto das
acuações e mantém meus pensamentos distantes da culpa. Como saberei se o filho
era meu, ou do irmão dela, que encontrei atracado entre suas coxas? Como
saberei se era uma criança que viria ao mundo, ou uma aberração, condenada
desde o seu nascimento para queimar no inferno? Como saberei? Prefiro não
saber.
Não foi pela repugnante traição, e sim
pela vergonha, não a minha, a dela. Os dedos apontados, os gritos de “adúltera”
e “incestuosa”. Livrei-a de ser marcada a fogo pela sociedade. Livrei-a da
desgraça de morrer em vida. Ela e o irmão dela. Fiz a melhor escolha, eu sei.
Incontáveis línguas ainda derramam veneno sobre o corpo dela, e sobre as grades
da minha cela, mas este foi o menor dos infortúnios; pelo menos não vejo os
olhares, e ela nunca mais verá olhar algum. Melhor uma vida interrompida do que
uma vida amaldiçoada. Matei-a por ama-la demais.
4 comentários:
Uou. Surpreendente. Acho que o amor faz isso mesmo, praticamente leva alguns a loucura, ou algo assim.
Adorei o texto(a história), demais.
http://menina-do-sol.blogspot.com.br/
Voltaste em grande estilo.
Obrigado, galera.
Lido, de novo.
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